XXXV. Microplásticos no ambiente antártico

XXXV. Microplásticos no ambiente antártico

Devido à alta concentração populacional na zona costeira, parte dos resíduos e detritos gerados vai parar nos oceanos via rios, redes de esgoto ou vento, sendo que os polímeros sintéticos — conhecidos como plásticos — compõem em média de 60% a 80% de todo o lixo marinho encontrado, chegando a 95% do total em alguns locais.

A versatilidade dos polímeros e a sua diversidade trouxeram uma série de avanços tecnológicos devido ao seu vasto campo de aplicações. Entretanto, as características que fizeram do plástico um produto tão eficiente (baixa densidade, durabilidade, versatilidade e baixo custo), são as mesmas que o tornam um problema de escala global: sua fragmentação e dispersão permite que persista por décadas no ambiente e seja levado a milhares de quilômetros de distância da área fonte, espalhando-se por todos os oceanos.

Durante o tempo de residência dos macroplásticos (>5 mm) nos oceanos, estes se fragmentam em partículas cada vez menores, chamadas microplásticos (MPs) (Figura 1). Os MPs são por definição partículas menores que 5 mm e podem ser classificados como primários ou secundários, dependendo da sua origem. Os MPs primários são partículas introduzidas de maneira direta ou indireta no ambiente, como fibras, pellets, e microesferas provenientes de cosméticos. Os MPs secundários são o resultado da fragmentação do plástico devido a uma série de fatores, como radiação UV, degradação biológica por parte de microrganismos e abrasão mecânica. Os MPs podem ainda ser reduzidos a nanoplásticos (<100 nm), mas os efeitos que podem causar nos ambientes e organismos são ainda pouco estudados.

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Figura 1. Introdução de microplásticos de origem primária nos oceanos (Nurdles; Personal Hygiene Products); e dos microplásticos de origem secundária (Larger Plastic Products; Clothing), sofrendo o processo da degradação de macroplástico em microplástico.

Fonte: encounteredu.com/multimedia/images/sources-of-microplastics

Os plásticos possuem propriedades lipofílicas, que podem levar à bioacumulação e biomagnificação destes compostos ao longo da cadeia trófica quando ingeridos. A presença de MPs primários e secundários já foi registrada no trato digestório de uma ampla variedade de organismos marinhos, entre eles peixes, anelídeos e moluscos, podendo causar danos graves, como problemas neurológicos, hormonais, falsa sensação de saciedade, consequente perda de massa corporal e até a morte.

O continente antártico é uma área geográfica isolada, sem conexão com outros continentes, com baixas temperaturas, circundada por um oceano com características únicas, delimitada pela frente polar, associada à corrente circumpolar antártica, que é considerada uma barreira física que impediria a transferência de resíduos antropogênicos. Por muito tempo, acreditou-se que a poluição por microplásticos não alcançaria regiões remotas como o continente antártico, porém estudos recentes demonstram a presença de partículas microplásticas em regiões do continente (Figura 2) e em espécies chaves da fauna antártica.

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Figura 2. Presença de micro e macroplástico no continente e oceano antártico. Os cruzamentos amarelos: registros de macroplásticos; cruzamentos verdes: registros de microplásticos; pontos vermelhos: bases de pesquisa científica. Setas roxas: direção das principais correntes oceânicas. Fonte: Waller et al., 2017

O transporte de microplásticos no continente antártico, tanto advindo de fora do continente, quanto transportado entre suas diferentes áreas, pode ocorrer por meio de 3 grandes mecanismos:

1 - Atividade humana no continente antártico: pesca, turismo e estações de pesquisa;

2 - Fatores físicos e climáticos: circulação atmosférica, correntes oceânicas e o gelo marinho;

3 - Bio-transporte: por organismos que realizam grandes migrações para latitudes mais baixas, como aves marinhas e cetáceos.

O krill antártico (Euphasia superba) é uma das principais espécies dentro desse ecossistema. Possuidor de uma grande biomassa populacional, o krill é um elo importante da rede trófica, sendo um item alimentar importante para diversas espécies. Embora não se tenham dados da ocorrência de microplástico no krill antártico de vida livre, estudos em laboratórios demonstraram que em determinadas condições de dieta e proporção de microplásticos, o krill consegue transformar partículas de microplásticos em nanoplásticos pelo processo de digestão. Esse processo pode ser uma importante fonte de produção, dispersão e biomagnificação de nanoplásticos no ambiente e na cascata trófica desse ecossistema (Figura 3).

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Figura 3. Processo de digestão e fragmentação em nanoplástico do microplástico ingerido pelo krill. O krill aparentemente não apresenta sinais de sofrer de toxicidade ou bioacumulação de poluentes aderidos ao microplástico, durante esse processo de digestão e fragmentação do microplástico. Fonte: Dawnson et al., 2018

Recentemente, foram encontradas evidências de microplásticos nos ecossistemas terrestres da Antártida, salientando mais ainda a fragilidade destes ambientes. Em estudo realizado na Ilha Rei George, uma das áreas com mais atividade antrópica do continente, fragmentos de poliestireno estavam presentes no trato digestório de artrópodes terrestres chamados colêmbolos, que foram ingeridos provavelmente enquanto o organismo consumia seu alimento habitual, revelando assim a contaminação dos ambientes onde eles vivem. Além disso, pela primeira vez, também foram encontrados fragmentos de microplásticos no gelo. Em um pedaço de gelo superficial foram encontrados 96 fragmentos de 14 polímeros diferentes, e levando-se em consideração que a maior parte do gelo nessa área derrete e se reforma a cada ano, provavelmente esses microplásticos vêm da superfície do mar, ficando presos no gelo, tornando-o, portanto, um potencial reservatório de poluição por esses elementos.

Dentre as espécies que compõem a biodiversidade antártica, as aves marinhas são consideradas bons bioindicadores de poluição por microplástico e de mudanças ambientais. Pinguins antárticos, como o pinguim-gentoo (Pygocelis papua) (Figura 4a) e o pinguim-rei (Aptenodytes patagonicus), são utilizados como espécies modelo para avaliar o impacto antropogênico na Antártida. Estudos recentes demonstraram a presença de microplásticos nas fezes de pinguins-gentoo (predadores do krill antártico) e pinguins-rei. Cerca de 20% das amostras de pinguim-gentoo apresentavam partículas de microplástico (Figura 4b), sendo as microfibras e fragmentos as formas mais abundantes encontradas em sua grande parte constituídas de poliéster. Em 77% das amostras de fezes de pinguins-rei foi registrada a presença de microplástico. É provável que essa maior taxa de microplásticos nessa espécie ocorre devido às migrações para áreas ao norte da Frente Polar, onde esses animais estariam expostos a uma maior carga do poluente no momento de alimentação. Esse momento é considerado um possível fenômeno de biotransporte de microplástico para áreas do continente antártico.

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Figura 4. 4.A: Pinguim-gentoo (Pygocelis papua). Fonte: Adaptado de www.greenpeace.org/brasil/blog/ qual-o-pinguim-mais-irresistivel-da-antartida/. B: Partículas de microplástico encontradas nas fezes de pinguim-gentoo no continente antártico. Fonte: Adaptado de Bessa et al., 2019

Embora exista uma quantidade considerável de relatos da ocorrência do microplástico em diversas áreas do continente antártico e em diversas espécies, avaliar a dimensão e o real impacto da presença de microplásticos no continente e no oceano antártico ainda é bastante limitado, dado que os estudos realizados com essa temática são recentes e não existe uma padronização nas metodologias utilizadas. Somente após essas avaliações serem padronizadas, o real impacto dos microplásticos nesse continente poderá ser mensurado e comparado com precisão.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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Dawson A., Huston W., Kawaguchi S., King C., Cropp R., Wild S., Bengtson N. S., Uptake and depuration kinetics influence microplastic bioaccumulation and toxicity in Antarctic Krill (Euphausia superba). Environmental science & technology, 2018, vol. 52, p. 3195-3201

Derraik J. G., The pollution of the marine environment by plastic debris: a review, Marine pollution bulletin, 2002, vol. 44, p. 842

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Waller C. L., Griffiths H. J., Waluda C. M., Thorpe S. E., Loaiza I., Moreno B., Hughes K. A., Microplastics in the Antarctic marine system: an emerging area of research. Science of the Total Environment, 2017, vol. 598, p. 111130

Autores

Caroline Harumy Suwaki

Luiz Carlos Fabio Junior

Coordenador

Vicente Gomes e Amanda Gonçalves Bendia - IOUSP

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