XXI. Mais alguns resultados sobre biomonitoramento na Baía do Almirantado, Ilha Rei George, Antártida

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Além do estudo com anfípodes, relatado no artigo anterior de número XX, nosso grupo de pesquisa, integrante do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais (INCT-APA), também desenvolveu trabalhos com peixes antárticos com a finalidade de aperfeiçoar, ajustar e aplicar métodos para o monitoramento ambiental da Baía do Almirantado. Essa atividade tem como intuito auxiliar a prevenir e a remediar os possíveis impactos gerados pelas atividades de nossa Estação Antártica Brasileira “Comandante Ferraz”, a EACF.

O trabalho também utilizou o método denominado de ensaio cometa, para avaliar possíveis danos causados ao DNA em peixes de águas costeiras rasas, expostos a algum fator impactante, seja ele natural ou de origem humana. A técnica permite identificar quebras nas fitas do DNA de cada célula e comparar grupos de indivíduos expostos em diferentes áreas para elucidar possíveis impactos ambientais nos organismos, conforme descrito com mais detalhes no artigo anterior para o anfípode Gondogeneia antarctica.

Os peixes selecionados foram os da espécie Trematomus newnesi, pertencentes à família Nototheniidae, a que apresenta a maior diversidade em espécies nos mares austrais (FIG. 1). Eles são pequenos, com até no máximo 20 cm, fáceis de coletar, bastante resistentes e se alimentam bem em cativeiro. Eles têm preferência por pequenos crustáceos, incluindo o anfípode G. antarctica, o krill e outros invertebrados de pequeno porte. No verão, eles ocorrem em áreas bem rasas, portanto as mais sujeitas à contaminação de origem antrópica. No inverno, eles se alimentam sob o gelo, principalmente de krill.

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Figura 1 – Trematomus newnesi. Foto de Buckley Lab in Antarctica 2011, http://buckleylab2011.blogspot.com.br/2011/11/fish-glossary-trematomids.html

O método testado foi o de engaiolamento, que é um tipo de bioensaio no ambiente natural. Os peixes foram coletados em locais livres de contaminação, afastados da área de influência da EACF e, a seguir, foram colocados em gaiolas em três regiões diferentes: uma considerada como controle, longe da EACF (Punta Plaza, PPL) e duas em locais próximos às principais fontes de contaminação, i.e., em frente à região de despejo de esgoto (ETE) e em frente aos tanques de armazenamento de combustível (COM) (FIG. 2). Estes são praticamente os mesmos locais onde foram coletados os anfípodes para o estudo anterior (série Antártida XX).

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Figura 2: Mapa da Baía do Almirantado indicando os locais em que foram colocadas as gaiolas com indivíduos de Trematomus newnesi para experimentos de monitoramento ambiental. PPL: Punta Plaza – área de controle experimental; COM: área de armazenamento de combustíveis; ETE: área de descarga de efluentes da estação de tratamento de esgoto da EACF.

Durante o período de engaiolamento, de 12 dias, pequenos crustáceos podiam entrar na gaiola e, por isso, pudemos verificar que os peixes se alimentaram eficientemente, o que pôde ser comprovado pela análise de seus conteúdos estomacais. O mesmo experimento foi realizado duas vezes, para comprovar os resultados. Após o período determinado foi coletado sangue de cada indivíduo e este foi utilizado para o ensaio cometa. A quantidade de danos ao DNA pode então ser identificada pelo aspecto dos cometas (FIG. 3).

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Classe 0 1 2 3 4

Figura 3. Padrão estabelecido para a classificação dos danos ao DNA de indivíduos de Trematomus newnesi, sendo Classe 0: não danificado; Classe 1: pouco danificado; Classe 2: danificado; Classe 3: muito danificado; Classe 4: severamente danificado (figura retirada de Gomes et al., 2012).

Pela análise visual dos cometas de cada indivíduo podemos calcular o índice de danos ao DNA (ID), que depende da quantidade de cada tipo de cometa que aquele determinado peixe apresentou. Da mesma forma como aconteceu com G. antarctica, os resultados dos dois experimentos indicam claramente que os peixes foram afetados pelos efeitos da contaminação dessas áreas (FIG. 4). O grupo de peixes mantidos próximos à descarga de efluentes de esgoto da EACF apresentou danos ao DNA mais elevados em relação aos expostos próximo ao local de armazenamento dos combustíveis e, ambos, apresentaram índices de danos significativamente maiores do que os dos peixes controle.

Uma das coisas a se pensar é que além da contaminação do ambiente, o fato de os organismos se alimentarem de outros animais ou plantas que também podem estar contaminados, deve reforçar o efeito das substâncias nocivas. Esse é um caso comum, pois sabemos que mesmo nós sofremos os efeitos de um alimento contaminado por algum poluente, como os agrotóxicos.

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Figura 4. Médias dos Índices de Dano (Damage Index - ID) obtidos por análise visual do material de dois experimentos com indivíduos de Trematomus newnesi. As barras das médias dos IDs dos indivíduos de cada experimento estão agrupadas por experimento. Cada barra de erro representa o desvio padrão das médias dos 4 indivíduos. Os asteriscos indicam que as médias são significativamente diferentes das dos controles. Control: área de controle experimental; Tanks: área de armazenamento de combustíveis; Sewage: área de descarga de efluentes da estação de tratamento de esgoto da EACF; First experiment – primeiro experimento; Second experiment – Segundo experimento (figura retirada de Gomes et al., 2012).


Podemos concluir que tanto os resultados descritos no artigo XX como estes que aqui apresentamos demonstram que os métodos e as espécies escolhidas possuem sensibilidade e são muito eficientes para o monitoramento ambiental da região.
Leituras sugeridas

 

Leituras Sugeridas:
Sobre o INCT-APA - http://www.biologia.ufrj.br/inct-antartico/

Vicente Gomes, Maria José de A. C. R. Passos, Thaís da C. A. dos Santos, Débora Yamane F. Campos, Keyi A. Ussami, Fábio M. Hasue & Phan Van Ngan. 2012. DNA strand breaks in caged Antarctic coastal fishes (Trematomus newnesi), following exposure to the waters in front of the Brazilian Antarctic Research Station “Comandante Ferraz”, King George Island. Pesquisa Antártica Brasileira, 5: 61-70.

 

Autores: Arthur José da Silva Rocha; Maria José de A. C. R. Passos; Thaís da Cruz Alves dos Santos; Fábio Matsu Hasue; Marina Tenório Botelho; Prof. Dr. Phan Van Ngan.
Coordenador: Prof. Dr. Vicente Gomes

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