B2Blue, a onda da Economia Azul

Fonte: NeoMondo

 

Foto: Ilustrativa/Freepik

 

O termo Economia Azul vem ganhando destaque e sendo amplamente disseminado na sociedade como um novo horizonte para a sustentabilidade do oceano. Curiosamente, este conceito, cunhado pelo economista belga Gunter Pauli em um relatório apresentado ao Clube de Roma, em 2009, não tinha originalmente inspiração no azul do oceano. Na verdade, dialogava com o conceito de Economia Verde, que vinha despontando nas discussões multilaterais realizadas no âmbito das Conferências da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo, em 2002 (Rio+10), e no Rio de Janeiro, em 2012 (Rio+20).

 

O conceito de Economia Azul buscava fortalecer os princípios que definem o Clube de Roma, como uma perspectiva global e de longo prazo, além do entendimento de que os problemas globais apresentam interligações entre os aspectos econômicos, ambientais, políticos e sociais. O documento inaugural do Clube de Roma, publicado em 1972, denominado Limites para o Crescimento, estabeleceu as bases para a discussão sobre sustentabilidade, cujo conceito foi referendado na Rio 92. Assim, compreendeu-se que, embora houvesse limites para o crescimento no planeta, não necessariamente havia limites para o desenvolvimento — especialmente no que diz respeito à melhoria da qualidade de vida das pessoas.

É nesse aparente paradoxo que a Economia Azul emergiu, trazendo caminhos para a realização de atividades econômicas que racionalizassem o uso de recursos, como matérias-primas e fontes de energia, e reduzissem a geração de resíduos, como emissões atmosféricas, efluentes e lixo — itens largamente encontrados no mar. Mais do que isso, a Economia Azul pressupõe o estabelecimento de cadeias produtivas locais nas quais os valores monetários gerados retroalimentem o bem-estar dessas localidades.

O Painel de Alto Nível para uma Economia Sustentável do Oceano traduziu o conceito de Economia Azul em três pilares indissociáveis: proteção efetiva, produção sustentável e prosperidade equitativa. O entendimento é que, sem um ambiente marinho saudável, sem atividades humanas realizadas de forma racional e sem foco na promoção do desenvolvimento (e não do crescimento per se), não seria possível caminhar rumo à sustentabilidade.

Nesse sentido, a Economia Azul amplia e ressignifica o escopo do que tradicionalmente chamamos de Economia do Mar — atividades normalmente associadas à exploração de recursos naturais, como minérios e pescado — caracterizada pela concentração dos lucros e pelo compartilhamento dos prejuízos socioambientais. Um universo de possibilidades, portanto, se abre, alicerçado por esse novo paradigma, em associação com oportunidades de serviços e negócios gerados pela conjugação entre um oceano limpo, saudável e produtivo.

Esse foi o contexto sobre o qual um movimento concreto e objetivo foi testemunhado por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC), realizada em Nice, na França, no início de junho de 2025. Integrando ciência, economia e diplomacia, um conjunto de eventos pavimentou o caminho para que a segunda metade da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável (2021–2030) pudesse ser trilhada, consolidando o envolvimento da iniciativa privada na agenda de sustentabilidade do oceano.

Esses eventos consideraram, além da UNOC em si, o One Ocean Science Congress (Congresso Científico sobre Um Oceano) e o Blue Economy and Finance Forum (Fórum de Economia Azul e Finanças). Eles consolidaram o binômio ciência e desenvolvimento e revelaram o avanço esperado na agenda global sobre o oceano, passando de uma fase de mobilização e sensibilização das primeiras UNOCs (Nova Iorque, 2017; Lisboa, 2022) para uma fase de ampliação de ações, oportunidades de financiamento e novos negócios.

Mensagens claras emergiram dessas duas semanas intensas de discussões. Uma delas diz respeito à importância da cultura oceânica e do entendimento de que todos os setores da sociedade estão ampliando sua relação com o oceano em patamares moral e eticamente elevados. Em relação à ciência, os princípios da Década do Oceano foram fortalecidos e mais amplamente disseminados, em especial a necessidade de se produzir uma ciência dedicada às demandas da sociedade, em diálogo com diferentes atores sociais e sistemas de conhecimento, numa perspectiva transdisciplinar.

 

foto de golfinho, remete a matéria B2Blue, a onda da Economia Azul
Imagem gerada por IA - Foto: Ilustrativa/Freepik
 

No caso da Economia Azul, as expectativas foram amplamente superadas, com um claro direcionamento do setor financeiro para a agenda do oceano. No Blue Economy and Finance Forum, uma constelação de instituições pôde manifestar suas visões de futuro e de que forma elas poderiam ser materializadas. Destacaram-se bancos de desenvolvimento mundiais e nacionais, fundos de investimento, empreendedores, organismos multilaterais e chefes de Estado que se posicionaram inequivocamente em favor da economia sustentável do oceano.

Uma grande variedade de possibilidades de desenvolvimento de negócios, serviços e empreendimentos associados ao ambiente marinho foi ilustrada. Eles vão desde serviços de previsão da qualidade do oceano até clubes de assinatura para produtos de origem marinha. A conjugação entre mobilidade, big data (grandes volumes de dados), inteligência artificial, rastreabilidade e interatividade foi compreendida como um caminho promissor para o desenvolvimento de oportunidades de Economia Azul. Esse conceito revelou um entendimento mais abrangente, considerando tanto iniciativas realizadas no oceano quanto aquelas realizadas em terra que o beneficiem — como ações de combate à poluição marinha oriunda de atividades continentais.

Enfim, uma série de novidades descreve um momento em que o setor financeiro percebeu claramente o oceano como um nicho concreto de investimento, capaz de conciliar a garantia da qualidade do oceano com o retorno financeiro dos investimentos realizados. O que se viu foi um setor financeiro cada vez mais maduro — ao menos no contexto internacional. Naturalmente, esse movimento ainda precisa ser fortalecido nacionalmente, um desafio que o Brasil precisa superar. A boa notícia é que há iniciativas emergentes no país, como o Hub de Inovação da Economia Azul (IlhaHub), que busca dialogar com startups para incubá-las e/ou acelerá-las, permitindo que esses negócios alcancem escala e se tornem, ao mesmo tempo, economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis.

É hora de agir. É hora de transformar. E isso depende de investimentos em ciência, na promoção da cultura oceânica e na ampliação dos negócios emergentes. Depende também de novos arranjos de fomento, para que esses negócios se concretizem como instrumentos para a promoção de um ambiente limpo, saudável e resiliente.

Há uma grande expectativa de que, em 2030, ao final da Década do Oceano e da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, o oceano cumpra seu papel como agente de transformação da sociedade. O universo do empreendedorismo, da inovação e do financiamento brasileiro precisa assumir forte protagonismo nesse cenário. A onda da Economia Azul, que se avoluma internacionalmente, deve ser propagada e amplificada no país. Para tanto, o setor econômico e financeiro precisa identificar-se com os diferentes tons de azul do oceano e fortalecer esse movimento nacionalmente. Mais do que consolidar a relação Business-to-Business (B2B), é fundamental que os negócios sejam cada vez mais direcionados ao oceano.

Esse é o movimento Business-to-Blue (B2Blue), capitaneado pela Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, em conjunto com a Produtora Brasileira e o World Observatory.

O oceano é azul. Os negócios podem ser cada vez mais azuis.
B2Blue é o prisma que ajudará a revelar os espectros que iluminarão o futuro do oceano e da sociedade.

 

foto de alexander turra, autor do artigo B2Blue, a onda da Economia Azul
Alexander Turra

Biólogo, educador, pesquisador e comunicador.

Professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade

de São Paulo e coordenador da Cátedra Unesco para a

Sustentabilidade do Oceano, dedica-se a promover

a aproximação entre o oceano e a sociedade.

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