É falso que estudo tenha mostrado que a Terra está 'se partindo ao meio'

Fonte: Terra / Estadão

POSTAGENS DISTORCEM PESQUISA SOBRE PLACAS TECTÔNICAS FEITO POR PESQUISADORES DO CANADÁ E DA TURQUIA; FENÔMENO ANALISADO POR CIENTISTAS NÃO TEM NENHUMA RELAÇÃO COM APARIÇÃO DE PEIXES ABISSAIS NA SUPERFÍCIE DO MAR

  

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O que estão compartilhando: vídeo diz que um estudo teria descoberto que "a Terra está se partindo ao meio no fundo do mar". Os cientistas teriam apontado que rachaduras em placas tectônicas aumentam riscos de terremotos e catástrofes ambientais. Por fim, diz que o fenômeno está por trás do surgimento de peixes abissais na superfície.

O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é falso. Um dos responsáveis pelo estudo, o pesquisador Erkan Gün explicou que as falhas geológicas identificadas em partes centrais da placa tectônica do Oceano Pacífico estão ativas há milhões de anos. Segundo ele, não há qualquer risco de efeitos devastadores na vida humana ou na natureza. Especialistas explicaram ao Verifica que a aparição na superfície do mar de peixes que vivem nas profundezas não tem nenhuma relação com as placas tectônicas.

 

Saiba mais: as publicações afirmam que as rachaduras identificadas no fundo do mar pelos pesquisadores podem alterar a circulação de calor e nutrientes pelos oceanos. Isso impactaria a vida marinha e os padrões climáticos do planeta. As postagens ainda associam o fenômeno às recentes notícias de aparecimento de peixes que vivem nas profundezas dos oceanos em áreas mais próximas da superfície. Mas nada disso é verdade.

Postagem distorceu conclusão de estudo de pesquisadores da Turquia e do Canadá

As alegações distorcem as conclusões do estudo "Syn-Drift Plate Tectonics". Ele foi publicado em janeiro de 2024 na revista Geophysical Research Letters, por pesquisadores das Universidades de Toronto, no Canadá, e de Istambul, na Turquia.

Estadão Verifica entrevistou o líder do estudo, Erkan Gün, do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Toronto. Ele se mostrou surpreso com as alegações e afirmou que todas elas são falsas. "Claramente, ninguém leu nossa publicação antes de fazer essas afirmações", disse.

O estudo mostrou a existência de falhas geológicas em áreas distantes das bordas da placa tectônica do Oceano Pacífico. Segundo o estudo, as tensões provocadas nas bordas - os pontos mais propensos a falhas devido ao choque entre as placas -, podem ser transmitidas pela litosfera e gerar as falhas a milhares de quilômetros de distância, nas áreas mais centrais, que não são tão rígidas como se imaginava.

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Segundo o pesquisador, essas falhas distantes das bordas estão ativas há milhões de anos. Não há que se falar em riscos de consequências catastróficas.

"Não há razão para ficarmos alarmados com esse mecanismo de deformação das placas tectônicas", disse. "Para nós, geocientistas, é significativo porque ajuda a melhorar nossa compreensão da dinâmica da Terra, como ela se forma e a aprimorar a teoria da tectônica de placas".

Erkan Gün afirma que a Terra não está se partindo ao meio. "Eu não entendo como as pessoas puderam tirar essa conclusão do nosso trabalho".

Estudo mostra origem de rachaduras que já existem, diz especialista

Coordenadora da pós-graduação em Geologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a professora Renata da Silva Schmitt detalha que o estudo analisou platôs oceânicos na placa do Pacífico. Essas áreas tiveram mais atividade magmática na sua formação e, por isso, são mais espessas. "O estudo prova que essas regiões são mais suscetíveis a se deformar e que há falhas geológicas ativas nelas", diz a professora.

Segundo a professora, o estudo utilizou evidências geológicas e modelos matemáticos em computador para mostrar a origem de estruturas que já existem. "A novidade do estudo é que eles estão conseguindo monitorar mecanicamente o comportamento da placa tectônica na parte interna dela, não só nos limites".

Sobre a alegação de a Terra estar se partindo ao meio, a professora diz que ela é absurda: "É o mesmo que dizer que a Terra é plana", afirma.

Não é anormal que peixes de águas profundas apareçam na superfície

O vídeo ainda comenta a descoberta, na superfície, de peixes que vivem nas profundezas. O conteúdo diz que os animais "habitam no ponto exato onde a Terra está partindo ao meio" e que o "acontecimento" faria com que eles fossem para a superfície.

Ao menos três casos foram noticiados recentemente: o registro do "diabo negro", o peixe retratado no filme Procurando Nemo, na Espanha; do peixe-remo, na Califórnia; e do peixe-lapa liso, encontrado por um pescador russo.

Professor do Departamento de Biologia Marinha da Universidade Federal Fluminense (UFF), Abílio Soares diz avistamentos são raros, mas podem acontecer.

"Há diversas hipóteses para isso. A mais provável é que o peixe pode estar debilitado e, por algum motivo, talvez por ter pego uma corrente ascendente, chegou a áreas mais próximas da superfície", disse o professor.

Ele descarta relação com eventos sísmicos no fundo do oceano. "Se fosse algo nesse sentido, haveria uma quantidade maior de organismos na superfície, não indivíduos em áreas separadas", falou.

O professor Marcelo Melo, do Departamento de Oceanografia Biológica da Universidade de São Paulo (USP), explica que o aparecimento de peixes de mar profundo na superfície dos oceanos é um fenômeno normal, relativamente comum. "A diferença é que nos dias atuais tem mais gente com uma câmera ou um celular na mão para filmar esses eventos", disse.

Ele acrescenta que, na maioria das vezes, o peixe está morrendo ou já morto. "Há casos que podem estar relacionados a eventos sísmicos. Mas após o abalo, devido à movimentação de ondas, e não como uma premonição", explicou.

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