As pesquisas no continente, que já foi palco de disputas territoriais, contemplam desde as áreas da biologia até as relacionadas ao clima, como comentam especialistas do Instituto Oceanográfico da USP
A Antártida é um continente localizado no extremo Sul do planeta. “Para a maioria das pessoas, a Antártida ainda se resume a alguns estereótipos: gelo, neve, frio, icebergs, pinguins, e não muito mais que isso. De tão distante e inacessível, é quase como se fizesse parte de um outro planeta. No entanto, ela está bem mais conectada à nossa vida do que parece à primeira vista e vai muito além de um simples território gelado habitado por pinguins”, diz a narração no documentário “Antártica: O Continente dos Extremos” produzido pelo Instituto Oceanográfico da USP (IO).
Essa região, embora conhecida como inóspita, já foi palco de disputas territoriais envolvendo os países que a encontraram ou que se localizavam ao redor. Para evitar o mau uso do território, bem como da sua fauna e flora, o Tratado da Antártida foi assinado em 1959 e está vigente desde 1961. O Protocolo de Madri, de 1998, proíbe a mineração e a exploração de petróleo no local durante 50 anos.
Importância
A professora Ilana Wainer, do IO, comenta que a Antártida não está tão distante quanto imaginamos: “Pelo menos na minha área [climática], nós estudamos o todo. A Antártida está no mundo, então está incluída nos mecanismos climáticos também. Não é possível separá-la, já que tudo está conectado, então, para mim, ela não está isolada”.
Da mesma forma que Ilana, o professor e diretor do IO, Paulo Sumida, comenta: “A gente faz parte de um planeta único, então a Antártida está dentro desse sistema. Quando a gente vê realmente algum desses sistemas remotos sendo afetados, isso obviamente dá um grau de como o planeta está sendo afetado. Então esse continente está sofrendo com o impacto humano e a Antártida tem um papel fundamental, não só na diversidade da fauna, mas também no clima do planeta: é como se ela fosse um grande ar condicionado do planeta”.
Para podermos analisar a importância de fato desse continente gelado, às vezes é necessário atentar-se para as microrrelações, como explica a professora Rosalinda Montone, também do Instituto Oceanográfico da USP: “Na verdade, às vezes a gente precisa muito mais de pesquisa básica do que desse produto final que pode ser aplicado. Ele demora um pouco, não é tão rápido assim. A gente precisa entender os processos, eles não são tão simples assim, então a cada hora a gente está elucidando uma parte: a gente precisa ter controle, não só climático, são várias outras situações que a gente precisa aprender a controlar, senão a gente vai alterar muito o ambiente. A Antártida não está desligada do resto do mundo, aparentemente é isolada, mas não está, então a gente vê muito reflexo do que nós fazemos aqui, do lado de lá”.
Exemplos
Com pesquisas desde a área biológica até a climática, a Antártida tem muito a oferecer. Sumida explica sobre a relevância desse ambiente para a minimização do aquecimento global: “A Antártida, durante o verão, com o gelo derretendo, tem muito nutriente na água. As águas frias geralmente são ricas em nutrientes e eles são utilizados por microalgas, que causam uma explosão. Elas absorvem muito gás carbônico e é nesse momento que você cria um desequilíbrio: acaba tendo menos na água e tem a tendência do gás carbônico que está na atmosfera se dissolver no oceano. Basicamente você tem uma remoção do que está na atmosfera para dentro do oceano, ou seja, você está retirando parte do que está causando o aquecimento global. Essas algas são comidas e acabam no fundo do oceano, ‘sequestrando’ esse carbono. Então, a Antártida tem um efeito mitigador importante do aquecimento global”.
Já a professora Vivian Pellizari, do IO, explica como a “terra firme” também impacta na fauna antártica: “Uma coisa que a gente tem pesquisado é como é a colonização dos microrganismos presentes no ar , partindo da península para o continente. No Criosfera 1 , a gente conseguiu comprovar que os microrganismos pegam carona no sal marinho, nessas partículas, isso fisicamente por meio de imagens e os estudos de transmissão eólica. Então, a gente conseguiu fazer essa relação e comprovar a presença de vários grupos microbianos que estão presentes ali no oceano, no entorno da Antártida, mas em especial na península, onde tem até 20% de microrganismos que estão presentes nessas amostras”.
Um estudo que contou com a participação da pesquisadora Amanda Bendia, do Instituto Oceanográfico da USP, e também das professoras Ilana e Vivian, utilizou a inteligência artificial para simular os possíveis cenários do aumento da temperatura global no ambiente antártico : “A gente fez um trabalho relacionando a oceanografia física com a microbiana para ajudar a predizer quais seriam os impactos desse aumento de temperatura na diversidade de microrganismos. A gente usou ferramentas modernas de inteligência artificial e os resultados mostraram que, dependendo de como for o nosso comportamento, a nossa emissão de gases de efeito estufa, se a gente parar totalmente a emissão agora, é o melhor dos cenários; se não parar, é o pior dos cenários. Dentro desse cenário ruim, se a gente não diminuir essas emissões, provavelmente vai ter um grande impacto nessa diversidade dos microrganismos. A gente sabe que, na Antártida, eles são a base de toda a teia trófica, são bem importantes e, se houver essa alteração nos microrganismos, com certeza vai ter alterações em outras áreas da Antártida também“, diz Amanda.