Nota de pesar - Prof. Kenitiro Suguio
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- Publicado: Quarta, 02 Junho 2021
O dia em que as ondas do mar pararam
“Assim os antigos marinheiros portugueses,
Que temeram, seguindo contudo, o mar grande do Fim,
Viram, afinal, não monstros nem grandes abismos,
Mas praias maravilhosas e estrelas por ver ainda.”
Álvaro de Campos
Professor Kenitiro Suguio será para mim, para sempre, o sinônimo brasileiro de geologia costeira e do Quaternário. Neste momento, vejo o vaivém das ondas, em todas as praias deste país, parar por um minuto. Oportunidade para lembrar sua trajetória. O breve relato de sua vida acadêmica que faço a seguir terá, como se fosse um registro estratigráfico, mais lacunas que outra coisa. Como bom estratígrafo que era, ele há de me compreender, e me perdoar.
Professor Kenitiro graduou-se no curso de geologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, em 1962, e ingressou de imediato no seu primeiro emprego como geólogo, na Petrobrás. Em 1965, iniciou impressionante carreira acadêmica na USP. Num período de apenas cinco anos, entre 1968 e 1973, defendeu Tese de Doutoramento orientada pelo Prof. Dr. Setembrino Petri, sobre a geologia da Bacia de Taubaté, realizou pós-doutorado na Universidade de Tóquio e apresentou Tese de Livre-Docência acerca da então chamada Formação Bauru. Manteve o ritmo de trabalho nos anos seguintes: tesoureiro da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG) por quatro gestões consecutivas, de 1973 a 1981; fundador, em 1984, da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário, a Abequa, a qual presidiu com desenvoltura por três gestões; Professor Titular do Instituto de Geociências (IGc) da USP em 1986.
Sua produção bibliográfica está possivelmente entre as mais extensas da geologia sedimentar brasileira: 171 artigos publicados em periódicos mais 95 artigos completos e 272 resumos em anais de eventos. Ainda que os números impressionem até mesmo quem não acredita em avaliações quantitativas, há pelo menos três aspectos ainda mais singulares nessa produção: em primeiro lugar, o ecletismo dos temas dentro da geologia sedimentar; em segundo lugar, o zelo e o respeito pela língua portuguesa, tão surpreendente para um descendente de imigrantes japoneses, quanto natural em um país onde as autoridades da língua atendem por nomes como Cegalla, Sacconi e Pasquale; por último, e mais curioso, suas figuras artesanais a nanquim, feitas de próprio punho, que ao longo dos anos desafiariam coreldraws, autocads e congêneres.
Seus trabalhos atravessaram as diferentes eras geológicas, os mais variados sistemas deposicionais e as inúmeras gamas de relações entre ser humano, meio físico e conhecimento geológico. A divulgação científica aplicada aos interesses da sociedade e a publicação de livros-texto eram preocupações constantes. A evidência mais marcante disso está assinalada com cinco estrelinhas amarelas em seu “Currículo Lattes”; as publicações que ele ali deixou destacadas como as mais importantes de sua produção não incluem nenhum de seus vários artigos em revistas especializadas internacionais de alto impacto, mas sim livros-textos que têm feito parte do dia-a-dia de gerações de estudantes de geologia e oceanografia de todo o Brasil: o “Introdução à Sedimentologia”, de 1973; o “Rochas Sedimentares”, de 1980; os dicionários de geologia marinha e de geologia sedimentar, de 1992 e 1998, respectivamente; e o “Geologia do Quaternário e Mudanças Ambientais”, de 1999. Outros viriam depois. No total, o Professor Kenitiro deixou 12 livros e 18 capítulos de livro.
Tanto prestígio e dedicação ao trabalho jamais fizeram-no perder a sensibilidade pelo relacionamento com colegas, alunos e orientados. Na sala de aula e nos corredores do IGc-USP, como nos congressos científicos, o Professor Kenitiro era sempre a mesma pessoa acessível e generosa. Não espanta que ele tenha acumulado 40 orientações de pós-graduação concluídas. Seus orientados guardam por ele o respeito e o afeto que se têm por um pai. Muitos destes filhos acadêmicos atuam hoje em universidades e instituições de pesquisa de diferentes partes do Brasil, do Piauí a Santa Catarina, a espalhar e multiplicar o efeito “família Kenitiro” como fator de formação do geocientista brasileiro.
A erudição em geociências não lhe minou o interesse pelas outras faces da natureza. No campo, seu conhecimento e entusiasmo contagiante não se limitavam a rochas, estruturas sedimentares e unidades estratigráficas. Nomes de aves, árvores e bichos fluíam com a mesma naturalidade que termos geológicos, revelando que sua auto-ploclamada “especialização em generalidades” extrapolava as fronteiras de sua vasta sapiência geocientífica.
A capacidade de trabalho e produção do Prof. Kenitiro, equilibradamente repartida entre ensino, pesquisa e extensão, fez dele um docente-pesquisador modelo, ou “pesquisador paradigma”, título que ele recebeu da USP em 1992. Mas o que mais impressiona é como ele manteve esta capacidade por tantos anos, sem perder o entusiasmo pelas coisas mais simples e imateriais da profissão, da natureza e da convivência; aqui lembro-me do riso fácil e de seus divertidos e quase folclóricos relatos de memórias da vida de professor e de geólogo, sucessivamente encadeados uns aos outros.
Eram, e continuarão sendo, duas pessoas numa só: a referência bibliográfica respeitada, Doutor Suguio; e a referência humana e profissional obrigatória para alunos, orientados e colegas, Professor Kenitiro; que é como nós sempre o chamamos e como ele preferia ser chamado. Mas chamem como quiser: não é a toda hora que dois títulos, o de Doutor e o de Professor, cabem tão bem, com iniciais maiúsculas, à mesma pessoa; não é a qualquer hora que ondas e areias de praia param para prestar homenagem àquele que se tornou o próprio símbolo dos sedimentos costeiros.
Paulo César Fonseca Giannini
São Paulo, 26 de maio de 2021
Ele foi referência em estudos sobre Sedimentologia e Estratigrafia.
Publicou muitos trabalhos científicos, formou discípulos, realizou estudos sobre variações relativas do nível do mar no Quaternário do Brasil entre inúmeros outros méritos registrados em sua trajetória como o Prêmio Jabuti e uma Comenda da Ordem Nacional de Mérito Científico.
No IOUSP, ele teve papel fundamental na formação de nossos pesquisadores e professores Valdenir Furtado e Moysés Tessler, pilares da Oceanografia Geológica . O IOUSP junta-se ao IGc para o lamento e tristeza pela partida do Prof. Suguio.
Eu, pessoalmente, tive oportunidade de conhecê-lo quando estava na direção do Museu de Ciências da USP e absorvi um pouco de seu enorme conhecimento. Ele concedeu a entrevista com tanta satisfação e entusiasmo ao saber que se destinava à divulgação da ciência no âmbito de uma exposição itinerante sobre a água- Água:uma viagem no mundo do conhecimento. Me senti privilegiada.
Como representante do IOUSP, deixo aqui nosso pesar pela partida deste nosso dedicado professor.
Atenciosamente,
Profa Elisabete S. Braga G. Saraiva
![](https://igc.usp.br/wp-content/uploads/2021/05/1998_-_Convite_de__FNAC.jpg)
Reproduzo, a seguir, o que escrevi ao Prof. Suguio em resposta ao convite recebido para participar do evento “Exposição Rastros no Chão: retrospectiva científica e acadêmica”, organizado pelo Instituto de Geociências da USP, através do Serviço de Biblioteca e Documentação, para homenageá-lo:
“Prezado Prof. Suguio, receba os meus cumprimentos, com a minha contínua admiração por sua carreira científica e acadêmica, e também por sua trajetória pessoal. Trago com orgulho o fato de ter recebido a sua orientação em meus estudos de Doutorado e, desde então, contar com a sua amizade.”
A inauguração desta exposição ocorreu na tarde/noite do dia 28/maio/2018 e tive a possibilidade de comparecer para dar o meu abraço pessoalmente. Se a minha memória não estiver me traindo, foi a última vez em que estive com ele… Era sempre uma alegria muito grande revê-lo!
Tenho profundo respeito e carinho pelo Prof. Suguio e não consigo lembrar momentos que não sejam agradáveis com ele, mesmo antes de ser seu orientando, ou depois, durante o Doutorado, e em todos os anos seguintes, quando convivíamos nos eventos da ABEQUA ou estávamos juntos em uma ou outra banca. Recebi sempre dele incentivo e apoio.
O Prof. Suguio será sempre uma referência para mim!
Recebam o meu abraço e os meus sentimentos a todos os professores, técnicos e alunos do IGc/USP.
Claudio Limeira Mello, Geologia/UFRJ
![](https://igc.usp.br/wp-content/uploads/2021/05/190908853_1953544094803127_9171101034418318788_n.jpg)
Professores do IGc e IAG que formaram muitas gerações: (em pé, da esquerda para a direita) Celso de Barros Gomes, Vicente Antonio Vitorio Girardi, Adolpho José Melfi, Antonio Carlos Rocha Campos, Georg Robert Sadowsky, Benjamim Bley de Brito Neves, Umberto Giuseppe Cordani e Igor Ivory Gil Pacca; (sentados) Setembrino Petri, Kenitiro Suguio, Marta Silvia Maria Mantovani, José Moacir Vianna Coutinho e Jorge Silva Bettencourt. Foto:LÉO RAMOS
https://revistapesquisa.fapesp.br/sobre-um-passado-solido/
Homenagem da turma 1987-1991 ao Professor Kenitiro
Prof. Kenitiro Suguio,
Sempre foi uma pessoa doce, discreta, porém com um sorriso espontâneo em todos os momentos e, sempre marcante com a autoridade que o profundo conhecimento científico lhe dava. Esteve sempre disponível para conversar, discutir, compartilhar e ensinar, levando o seu conhecimento geológico e humano aos quatro cantos do Brasil e do Mundo. Nosso respeito por ele sempre foi uma reverência, por acima de tudo, ser humano e respeitoso conosco, alunos e alunas.
Obrigado PROFESSOR!
Campos de Jordão- SP – Mapeamento Sedimentar – 1990