De volta ao mar, Alpha Crucis leva pesquisadores para estudar depressões e organismos que lá vivem
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- Publicado: Sexta, 12 Agosto 2016
Originalmente publicado em: Jornal USP. 11/08/2016.
Entre 250 e 300 quilômetros da costa brasileira, pesquisadores detectaram a presença de 987 pockmarks (depressões no fundo do mar), formados pelo escape de gás metano.
Depois de mais de 20 horas de navegação, entre 250 e 300 quilômetros da costa brasileira, mais precisamente entre os estados do Paraná e Santa Catarina, pesquisadores do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, a bordo do navio Alpha Crucis, chegaram a uma região onde encontraram 987 pockmarks no fundo do mar. “Pockmarks são depressões formadas no fundo marinho em função do escape de metano, um dos gases do efeito estufa produzido pela degradação de matéria orgânica”, explica o professor Michel Michaelovitch de Mahiques, do Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica do IO e coordenador da expedição realizada entre os dias 4 e 21 de julho.
Esta foi a 14ª viagem do navio e a primeira após um período em que ficou parado para a realização de uma vistoria obrigatória: a previsão inicial era de 45 dias, mas devido a problemas nas licitações esse prazo foi estendido para quase um ano.
Segundo Mahiques, alguns fenômenos geológicos fazem o gás escapar e formar as depressões. Alguns dos pockmarks chegam a 1 quilômetro de diâmetro, enquanto outros ainda estão em formação e apresentam um diâmetro de cerca de 10 metros. Os 19 pesquisadores a bordo estudaram o fundo do mar em uma área de 130 quilômetros de cumprimento por 30 quilômetros de largura. A profundidade encontrada em alguns pockmarks chegou a 95 metros abaixo do fundo.
De acordo com Mahiques, a importância desse estudo está fortemente ligada ao fato de que as zonas com presença de pockmarks apresentam organismos que são adaptados para viver nessas regiões. “Há um componente de biologia marinha, de se estudar as características desses microrganismos. Posteriormente podemos fazer estudos sobre o potencial biotecnológico desses organismos que estão adaptados para viver nessas regiões, onde há pouco oxigênio e muito metano”, informa.
Em razão disso, Mahiques convidou outros três professores do Instituto Oceanográfico para participarem do cruzeiro de pesquisa: Vivian Pellizari e Paulo Sumida, do Departamento de Oceanografia Biológica, e Márcia Caruso Bícego, do Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica.
De acordo com a professora Márcia Bícego, foram coletadas amostras do sedimento (material do fundo marinho) para a realização de análises em moléculas que estão nesse sedimento e que fazem parte da estrutura de alguns microrganismos que vivem tanto no fundo como na coluna d’água.
Uma das surpresas da pesquisa, revela o professor Mahiques, é que os pesquisadores encontraram no sedimento fragmentos de rochas, dos mais variados tipos. O material será encaminhado a professores do Instituto de Geociências (IGc) da USP para identificação e análise. “Para nossa surpresa, encontramos essas rochas tanto dentro das depressões como fora delas. Não esperávamos encontrar esse tipo de material naquele local”, observa o docente.
Desabamento do fundo do mar
O gás é formado naturalmente a partir da degradação da matéria orgânica depositada no fundo do oceano ao longo dos anos. “O gás sobe e colapsa o fundo marinho. É como se fosse um desabamento do fundo do mar. Pode levar um ano para se formar, como também pode ter se formado há vários anos”, explica. “Mas trata-se de um processo que ainda continua em atividade.”
Segundo ele, as causas para esse fenômeno podem estar em processos geológicos de milhões de anos atrás. “Já tínhamos registros geofísicos atestando que, nas áreas pesquisadas, já ocorria a presença de pockmarks há milhões de anos”, informa.
O mapeamento foi realizado por meio de técnicas geofísicas que usam a propagação de ondas acústicas. O som se propaga no fundo e reflete ao encontrar o fundo marinho. Com isso é possível ver a profundidade dos pockmarks e também a disposição das camadas de sedimentos.
Pesquisa oceanográfica de ponta
Todas essas descobertas não seriam possíveis se não houvesse um navio como o Alpha Crucis, que possui equipamentos modernos, que permitem a realização dessas pesquisas. O professor reafirma a importância de a USP ter adquirido esse navio. “Na época da compra e mesmo depois, a Universidade foi bastante criticada. Mas trata-se de um navio que mudou o paradigma da pesquisa oceanográfica no Brasil. O navio ficou parado muito tempo devido a uma vistoria quinquenal obrigatória e aos procedimentos burocráticos ligados à licitação para essa vistoria. Mas agora voltou com força total, está em plenas condições de operação e com vários cruzeiros de pesquisa já programados”, informa.
Mahiques explica que o Alpha Crucis é um navio moderno, bem equipado, o que permite que se faça pesquisa oceanográfica de ponta no Brasil, além de formar alunos de graduação e pós no nível dos melhores cursos existentes atualmente do mundo. “Não devemos nada aos outros cursos de ciências do mar realizados em universidades estrangeiras”, comemora o docente.
O professor ressalta a importância de se defender o patrimônio da Universidade. “Às vezes, a USP gasta dinheiro com a compra e a manutenção de equipamentos. Mas é exatamente isso que a mantêm nos rankings internacionais. É importante não apenas a compra, como também a manutenção desses equipamentos. E a importância não se restringe à Universidade mas, principalmente, à ciência brasileira.”