Comunidade quilombola reside em Unidade de Conservação de Ubatuba
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- Publicado: Terça, 23 Dezembro 2014
Publicado originalmente em: Agência Universitária de Notícias. Ano 47. Nº 105. 19/12/2014.
Apesar de ser considerada uma área de preservação pelo governo, Cambury possui uma comunidade residente que vem ganhando cada vez mais força e voz
A praia do Cambury, localizada em Ubatuba, São Paulo, faz parte do Parque Estadual da Serra do Mar e do Parque Nacional da Serra da Bocaina, e é considerada uma Unidade de Conservação (UC) – área desapropriada, utilizada apenas para visitação. Algumas comunidades já residentes nesses espaços de preservação, no entanto, possuem uma dinâmica diferente dentro do território e podem permanecer no local. É o caso da comunidade quilombola residente no Cambury, que apesar de já ter sofrido tentativas de desapropriação do poder público, pode e deve permanecer no local.
A dinâmica territorial e o uso de recursos naturais que se dá dentro dessa comunidade é o objeto de estudo de Dominique Chahine Gallo, mestre pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP). “O território do Cambury configura-se hoje como uma zona de uso compartilhado por residentes, com normas regidas pelo Parque Estadual da Serra do Mar (Núcleo Picinguaba) em primeira instância. O território vem sendo gerenciado pelo Governo através de uma UC que de acordo com o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), não permite a moradia, ainda que possa haver uso público como ecoturismo, pesquisa e projetos de desenvolvimento local. Percebe-se que o sistema social dali, composto por uma comunidade residente desde antes da definição da UC se tornou viável através de um fortalecimento comunitário agregador, que tornou possível a formação de fóruns de discussão e a ação de atores-chave se movimentando em torno da questão da proteção da sócio-biodiversidade. É claro que parte deles, principalmente os jovens, possuem uma maior intimidade com a modernidade, o que faz com que a comunidade esteja topando cada vez mais com as inovações tecnológicas e culturais, colocando frente a frente o modo de vida tradicional com o moderno”, afirma a pesquisadora.
Hoje, além dos quilombolas de origem negra-afriacana, a comunidade ainda é formada por caiçaras descendentes de índios e europeus, e também por pessoas "de fora", ou seja, que possuem ancestralidades diversas, mas, mesmo assim, fazem parte da comunidade tradicional. Atualmente o território vem sendo alvo de disputa entre grileiros, especuladores, turistas e moradores. "O território vem sendo destinado à proteção ambiental há apenas 35 anos, com o poder público exercendo um maior controle sobre o uso do território e dos recursos naturais. Porém a tradição dos moradores é fato que possibilita a permanência no território, de acordo com a Lei maior que é a Constituição Federal, entre outras políticas", completa Dominique.
Apesar do descaso dos órgãos gestores em certos episódios, o território está sendo gerenciado de forma na qual os moradores possuem cada vez mais poder sobre os recursos naturais, e ainda possuem o apoio de parceiros como ongs, ministérios, visitantes e cooperativas. O uso de recursos naturais renováveis, recursos que podem ser recolocados na natureza ou que podem se regenerar através de processos naturais, também é implementado pela comunidade, o que gera, consequentemente, um uso sustentável na região. Segundo Dominique, grande parte da comunidade é formada por artesãos e pescadores, mas essas são atividades complementares. A atividade principal do território acaba sendo o turismo, devido à grande população flutuante que se instaura em Ubatuba em épocas de férias, feriados e, principalmente, no Ano Novo.
Teorias de Sistema Sócio-Técnicas
Para o estudo, Dominique utilizou, além do Guia de Avaliação de Políticas Públicas, uma metodologia baseada nos estudos de Michel Callon e Bruno Latour, pesquisadores franceses que criaram a teoria dos Sistemas Sócio-Técnicos. "Ela [metodologia] nos fornece uma ferramenta para estudos de caso, pois explica, através de uma abordagem histórico-dialética, a formação de uma rede suportada por pessoas e coisas, que se orientam em torno de um objetivo comum. A reconstrução das redes permite que os atores e suas lógicas de ação sejam analisados de modo que se entendam seus deslocamentos e traduções em torno de uma controvérsia gerada (no caso a manutenção do modo de vida da comunidade tradicional e a preservação integral da natureza), os conflitos e suas resoluções", explica a mestra.
Além disso, para a pesquisadora, o fortalecimento da rede de apoio dos moradores, o turismo sustentável e a preservação natural por parte da comunidade foram os pontos mais relevantes do seu trabalho. "Também acredito, com base em minha pesquisa, que por melhor ou pior que seja a ideia, a comunidade deve estar interessada em desenvolvê-la para que funcione satisfatoriamente ou ao menos sirva como aprendizado. Por isso, a importância de se manter a atividade dos Conselhos e Comitês com a participação da comunidade e o fomento a organização social e cultural local, com a participação das ONGs e outros parceiros, indo de acordo com os objetivos da PNCT´s (Política Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais), da Constituição Federal e do SNUC, as principais leis que tratam sobre minorias e proteção da sócio-biodiversidade e que foram incorporadas no processo organizacional da área de estudo nos últimos ano."