Beleza sem predador
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- Publicado: Terça, 16 Dezembro 2014
Publicado originalmente em: Portal Globo - Terra da Gente
Plasticamente atraente, o peixe-leão (Pterois volitans) causa desequilíbrio ambiental quando é introduzido fora de seu habitat
Na imensidão do oceano, a diversidade de espécies atrai a atenção dos mergulhadores. São sempre muitos apelos de cor e de formato. Mas uma beleza específica tem tirado o sono de pesquisadores, pois pode causar desequilíbrio na fauna local onde aparece. Este é o caso do peixe-leão (Pterois volitans). Além de ser uma espécie carnívora e venenosa, ela foi introduzida indevidamente no sul da Flórida (Estados Unidos), procriando-se feito praga no oceano Atlântico (é natural do Índico e do Pacífico). Por conta disso, agora ameaça os demais países do continente americano. E há que se dizer: o peixe-leão já foi avistado em águas brasileiras (veja abaixo).
De acordo com Marcelo Melo, professor de Oceanografia Biológica, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP), pelo mundo existem dez espécies chamadas de “peixe-leão”. E todas elas são exclusivas dos oceanos Índico e Pacífico. Contudo apenas a Pterois volitans é considerada invasora no Atlântico.
“A distribuição nativa de Pterois volitans fica entre o norte da Austrália e o sul do Japão, estendendo-se até o Havaí em recifes de corais e costões rochosos. A espécie foi introduzida no Estado da Florida (EUA), a partir de exemplares de aquário. O primeiro registro foi feito em 1985, mas passou a ser frequente a partir da década de 1990”, explica o professor.
Melo aponta que o peixe-leão possui nadadeiras bem desenvolvidas, numa espécie de leque, além de um colorido diferenciado, de fundo branco e listras amarelas ou marrons. “Essa combinação de cores e o formato do corpo a torna bastante atrativa como peixe ornamental”, salienta.
E é exatamente este formato diferenciado que apresenta o perigo: as nadadeiras são sustentadas por raios, e alguns deles formam espinhos. Além disso, os raios das nadadeiras dorsal e anal possuem glândulas de veneno. O professor explica que o veneno não causa óbito, mas a ferroada é bastante dolorida.
O que preocupa os pesquisadores é o fato de que a espécie, voraz e venenosa, com até 40 centímetros, não possui predadores no oceano Atlântico. E, por este motivo, ameaça a fauna marinha local. “As espécies desta região (Atlântico) não foram selecionadas evolutivamente para fugir (seja por camuflagem ou outros mecanismos de defesa) ou predarem”, indica Melo.
Ambiente propício
O professor da USP aponta que as condições dos oceanos Atlântico e Pacífico são semelhantes. “Os recifes de corais do Atlântico são similares aos do Pacífico em termos de salinidade, temperatura e outros fatores abióticos sem a presença de muitos competidores. Desta forma, forneceram um ambiente ideal para que ela se reproduzisse e se dispersasse. Ou seja, era um nicho disponível para ser ocupado”.
E pelo fato de ter poucos predadores, a espécie é considerada uma ameaça às demais. “Apenas algumas espécies de tubarões foram avistadas se alimentando do peixe-leão no Atlântico. Os principais afetados são os peixes e crustáceos que vivem em recifes de corais e costões rochosos, como garoupas (Epinephelus marginatus), badejos (Mycteroperca spp.), peixes-borboleta (Pygoplites diacanthus) e peixes-donzela (Stegastes fuscus)”, alerta o professor.
Marcelo Melo ainda ressalta que os recifes de corais e costões rochosos, áreas em que o peixe-leão habita, estão entre os ambientes marinhos com maior diversidade animal. “A existência de um predador voraz no meio ambiente pode causar um rápido declínio das populações de algumas espécies. Em alguns casos estima-se que a espécie possa desaparecer completamente. Ou seja, se tornar extinta”, alerta.
Registro brasileiro
Em maio deste ano uma equipe de mergulho encontrou um individuo de peixe-leão na costa de Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro. Os mergulhadores identificaram a espécie e depois retornaram ao mesmo local com pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O mergulhador Ricardo Manoel Martins da Silva, que estava presente durante a captura do peixe, conta que o animal foi visto a quatro metros de profundidade. “Assim que avistamos entramos em contato com pesquisadores da região e retornarmos para capturá-lo. A partir daí, foi levado para estudos. Foi o primeiro que foi visto e espero não ver mais nenhum”, diz Silva. Ele acredita que o peixe tenha sido introduzido na região por algum aquarista.
Marcelo Melo conta que o registro feito em Arraial do Cabo é considerado um “evento de introdução isolado”. “Até agora, não há registros de que ela tenha conseguido vencer a foz dos rios Orinoco (Venezuela) e Amazonas, pois estes rios causam um grande aporte de água doce nos mares, tornando-se barreiras para algumas espécies marinhas”.
Apesar disso, o professor indica que as instituições brasileiras de pesquisa já se preocupam com a invasão no Brasil, e que até o momento nenhuma medida foi tomada. De acordo com ele, estima-se que os primeiros registros acontecerão nas regiões Norte e Nordeste. Mas as atividades são constantemente discutidas em artigos científicos e encontros de pesquisadores.
Consequências
Além das preocupações com a fauna brasileira, pesquisadores estudam as consequências diretas e indiretas. “Os prejuízos podem ocorrer desde acidentes com banhistas, que acidentalmente se espetam nos espinhos, até o declínio na pesca de outras espécies economicamente importantes, o que reflete na economia”, alerta Melo.
O professor ainda ressalta que a introdução de peixes é algo “comum”, mas que afeta a fauna local de cada ambiente. “A introdução de espécies exóticas é um crime previsto na lei ambiental, porém não existe uma fiscalização adequada e é difícil encontrar o responsável pela introdução da espécie. Também não existe política eficaz de conscientização sobre os riscos que esse tipo de atividade pode trazer à fauna e flora brasileira”.