20 anos da descoberta da Subcorrente Norte do Brasil
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- Publicado: Terça, 11 Novembro 2014
Publicado originalmente em: USP Online. 10/11/2014. Fernanda Drumond
As correntes marítimas ainda são um grande mistério para a Oceanografia Física. Os estudiosos da área buscam explicar como acontece a transposição de massas de água do sul para o norte do planeta e vice-versa, e as pesquisas do Instituto Oceanográfico (IOUSP) vêm rumando para resolver parte deste enigma, empreitada que já mostrou resultados importantes.
No dia 5 de novembro, um evento no IOUSP comemorou os 20 anos da descoberta mais expressiva da Unidade para a área, a chamada Subcorrente Norte do Brasil (SNB). O achado foi descrito na dissertação de mestrado do então estudante Ilson C. A. da Silveira.
O evento contou com a presença de Silveira, hoje professor do IOUSP, e prestou uma homenagem a Luiz Miranda, professor emérito do Instituto e orientador do estudo que Silveira defendeu em 1990.
O Laboratório de Dinâmica Oceânica (Lado) do IOUSP, que deu origem à dissertação, é o único grupo de estudos do Brasil que investiga as grandes correntes sobre o talude continental.
Hoje reconhecido mundialmente por seus estudos na área, Ilson Silveira buscava, como tema inicial da dissertação de mestrado, descrever a bifurcação da Corrente Sul Equatorial que acontecia no Cabo Branco – a descoberta da subcorrente, assim, foi colateral. O estudo não só revelou que o fenômeno não acontecia no Cabo Branco, como também demostrou que a corrente que passava por esse ponto já estava formada e era única em determinados aspectos, como por exemplo, o fato de sua velocidade máxima não se encontrar na superfície, como é mais comum, mas sim em profundidade.
“Descrever uma corrente nova para o oceano mundial é um privilégio, ninguém havia olhado para aquela área ainda”, contou Silveira. O pesquisador, em tom de brincadeira, também diz que essa descoberta pode explicar por que Cabral atracou em Salvador e não em Fortaleza.
Os dados foram colhidos pelo pesquisador, na época com apenas 21 anos, em viagens de cruzeiro no navio Almirante Saldanha, da Marinha brasileira.
Duas décadas atrás, os acadêmicos da área não sabiam ao certo o que acontecia nessa região. A descoberta da Subcorrente Norte do Brasil foi importante para a quebra de um paradigma. O conjunto de dados da época, mesmo que limitado, foi suficiente para que o pesquisador pudesse descrever corretamente o fenômeno. Mas, para que a teoria fosse aceita no meio científico, vários outros estudos posteriores foram realizados.
Segundo o pesquisador, a região é complexa, mas rica em dados que podem facilitar o entendimento de alguns fenômenos que ocorrem na costa brasileira.
Pesquisadores da Universidade de Kiel, na Alemanha, conseguiram descobrir mais aspectos da subcorrente, usando tecnologias mais avançadas, e tiveram a oportunidade de nomear a massa de água. Felizmente, para os pesquisadores brasileiros, a comunidade científica atribui a descoberta ao IOUSP.
Particularidades da SNB
A Subcorrente Norte do Brasil possui características bem peculiares, descritas por Silveira com dados sobre sua temperatura e salinidade. Ela não é uma massa de água única, mas composta por várias correntes de direção Leste-Oeste entrecortadas por ramos verticais.
Sua origem acontece a 15ºS e seu núcleo está em subsuperfície (de 100 a 200m de profundidade) e não em superfície, como é mais comum. A SNB conta com contribuições de ramos da Corrente Sul Equatorial. Seu fluxo é influenciado pelo vento que atua em uma coluna de água de cerca de 1000 metros – ela recebe água por cima e perde por baixo, em um fenômeno conhecido como retroflexão. Sua velocidade chega a ser 100 vezes a do Rio Amazonas.
A corrente se bifurca na latitude de Ilhéus e sai do Ceará quase como uma corrente de circulação normal. Quando a SNB atravessa o Equador, já está parecida com grandes correntes, como a do Golfo por exemplo.
Avanços e importância
A descoberta da SNB tem importância mundial por se tratar de um duto de água que colabora para o transporte inter-hemisférios. E para Silveira, “essa circulação está intrinsecamente ligada às mudanças climáticas”.
O Lado continua a explorar as correntes brasileiras, agora com o professor Silveira como orientador. O trabalho que colocou fim na temática original da tese, a Corrente Sul Equatorial, foi publicado apenas em 2007, por outra aluna do IOUSP.
A pesquisa mais expressiva que o laboratório tem desenvolvido ultimamente é a tese da Ana Paula Krelling, que descreve um grande vórtice (linhas fechadas) da SNB na Bacia Potiguar que pode influenciar economicamente a exploração da área e também o clima da região. A Petrobras já demonstrou interesse no estudo porque as correntes são muito intensas e com sentido reverso do que se pensava, o que exige um cuidado especial na exploração de petróleo.