Fundeios Oceanográficos

Eng. Francisco Luiz Vicentini Neto

O objetivo dos fundeios oceanográficos é obter séries temporais, ou seja, medir a variação de determinada condição ao longo do tempo.

Medir a temperatura da água de superfície em uma praia, por exemplo, a cada 01 hora, no período das 06:00 às 18:00 h, durante 01 dia e anotar esses valores é obter uma série temporal. Para tanto seria suficiente lançar mão de um relógio, de um termômetro comum, lápis, papel, talvez de um balde e de uma pessoa disposta a fazer as medições.

No outro extremo, imagine que queiramos fazer medições de temperatura num local à 200 km da costa e a uma profundidade de 3000 m, de hora em hora, por um período de 01 ano, durante o dia, noite, sábados, domingos, feriados, faça sol ou faça chuva. Manter no local uma embarcação e uma equipe para fazer essas medições não seria impossível, mas totalmente inviável.

Assim, são em situações como essa, por vezes mais simples ou até mais complexas, que entra em cena a Tecnologia de Fundeios Oceanográficos. A seguir vamos abordar algumas noções básicas dessa arte:

Os fundeios aparentemente são estruturas simples, mas frequentemente envolvem muita tecnologia e quantidades consideráveis de recursos financeiros.

Para viabilizar as séries temporais de longo período (01 semana, meses, 01 ano e etc.) são utilizados equipamentos autônomos, capazes de medir um ou mais parâmetros e armazenar as medições realizadas / dados coletados.

Basicamente os instrumentos de fundeio são compostos de uma câmara estanque que comporta sensores, sistema de armazenamento de dados e as baterias que alimentam esse conjunto. Normalmente para cada parâmetro a ser medido há um sensor diferente (de temperatura, pressão e etc.) e por vezes um parâmetro depende das informações de mais de um sensor.

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Figura 1 – Correntógrafo (instrumento de fundeio utilizado para a medição da intensidade, direção e sentido da corrente marinha), modelo utilizado em águas profundas e fabricado na Noruega (valor aproximado de USD 10.000). A imagem a esquerda mostra a aparência externa do equipamento completo e as imagens à direita, a porção que fica contida no interior da câmera estanque. Os sensores (de intensidade, direção, temperatura, pressão e salinidade estão indicados pelo numero 1, a câmara estanque por 2, sistema de registro -3 e bateria -4.

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Figura 2 – O clássico sistema mecânico de registro (atualmente em desuso, principalmente, para equipamentos de fundeio), onde uma pena apoiada sobre o papel (que se desloca em função do tempo associado ao mecanismo de um relógio mecânico) registra as variações de um determinado parâmetro.

A câmara é mais robusta quando o instrumento é utilizado em águas profundas. Quanto maior a profundidade maior será a pressão exercida sobre esse componente e também maior deverá ser a resistência mecânica do mesmo.

Ao longo dos anos uma série de sistemas de armazenamento foram utilizados, tais como: sistema mecânico de registro em papel, fita de rolo, fita k7, memórias voláteis e etc. Hoje em dia são utilizadas as memórias não voláteis, que não perdem os dados coletados no caso de esgotamento das baterias.

Frequentemente os dados coletados são acessados somente depois do término do período de fundeio. Porém, por vezes os dados coletados e armazenados também são transmitidos a terra via satélite, por rádio ou celular; o satélite é mais utilizado para fundeios oceânicos e o rádio e o celular para condições costeiras.

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Figura 3 – Bóia de superfície com sensores meteorológicos e dados transmitido via satélite. Para o lançamento completo da mesma foram utilizadas, aproximadamente, 4.000 m de amarração e nove horas de trabalho (à direita o esquema completo do fundeio).

Fundeios que possuam elementos em superfície, podem lançar mão do uso de painéis solares para recarregar as baterias de seus equipamentos ou de parte deles, mas normalmente a bateria desses equipamentos não pode ser recarregada ou substituída durante o período do mesmo. Assim, em princípio para fundeios de longo período, são recomendados os equipamentos com consumo de energia otimizado.

Outra condição importante a ser considerada no uso de equipamentos de fundeios, é a incrustação. O desenvolvimento de organismos vivos sobre a superfície dos equipamentos pode prejudicar bastante, principalmente, o bom funcionamento dos sensores.

Em águas profundas a incrustação é mínima e pode-se deixar um equipamento instalado por longo tempo (01 ano ou mais), mas em águas costeiras as condições são bem diferentes. Em princípio, em águas costeiras, pequenas profundidades e no período de verão, a incrustação é máxima e pode exigir que os equipamentos fundeados passem por uma limpeza a cada 15 ou 20 dias.

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Figura 4 – As imagens mostram o mesmo modelo de equipamento (correntógrafo de águas rasa, fabricado nos Estados Unidos e custo de US$ 4.500) com diferentes tipos de incrustação. Todos estiveram instalados por um tempo de, aproximadamente, três meses (em locais e períodos diferentes) e a 10 m da superfície.

Para tornar esse texto menos genérico vamos falar de um equipamento chamado Liberador Acústico, que a cerca de 20 anos revolucionou a atividade de fundeios, principalmente os de águas profundas.

O liberador acústico não é um instrumento de medição e sim um equipamento de apoio, um atuador, utilizado para a recuperação dos fundeios. Como a maioria dos equipamentos de fundeio, o liberador também possui câmara estanque e baterias.

Os fundeios são sempre ancorados ao fundo marinho, e é chamada de poita a ancoragem que mantém o fundeio fixo ou posicionado em um determinado local. O liberador une a porção superior do fundeio a poita, mas atuando por um comando acústico pode se desfazer esse elo de ligação e permitir a recuperação da parte superior do mesmo para, por exemplo, coletar dados, substituir baterias etc.

Com uma unidade de bordo e um hidrofone que ficam na embarcação, o pesquisador pode enviar um código acústico ao liberador e determinar a atuação ou abertura do mesmo. Na água a comunicação acústica é eficiente e muito utilizada em equipamentos oceanográficos.

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Figura 5 – Liberador acústico, modelo utilizado em águas profundas e fabricado pela IXBLUE na França e valor aproximado US$ 15.000 (Imagens 2, 4 e 5). Unidade de bordo ORE fabricada nos Estados Unidos e valor aproximado US$ 15.000 (Imagem 3). Hidrofone ORE (Imagem 1).

Normalmente, depois da atuação do liberador, a recuperação do fundeio está vinculada a atuação de uma ou mais bóias (que são parte da estrutura do fundeio) e na maioria dos casos a poita fica perdida no leito ou fundo marinho. A poita usualmente é construída em sucata de aço, e rodas de trem fora de uso são muito utilizadas para essa finalidade.

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Figura 6 – A forma arredondada e a furação central são características importantes para a escolha das rodas de trem para a composição de poitas. A forma sem cantos vivos proporciona melhores condições de segurança na manipulação das mesmas e o furo central, associado a um eixo (maciço ou tubular), facilita a montagem de poitas que demandem a utilização de mais de uma roda.

Veja nas ilustrações a seguir a utilização do liberador acústico em um tipo de fundeio chamado em “I” de subsuperfície. Em “I” devido ao seu formato (uma linha vertical) e de subsuperfície por que o fundeio fica totalmente submerso ou sem nenhum componente em superfície. No fundeio os equipamentos são sustentados por bóias e posicionados entre si e a poita por cabos de aço ou fibra sintética (também conhecidos por cordas).

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Figura 7 – Recuperação do fundeio utilizando o liberador acústico: a embarcação se aproxima do local de fundeio e utilizando uma unidade de bordo e um hidrofone conectado a mesma, envia um comando acústico de liberação ou abertura do mesmo. O fundeio retorna a superfície por ação das bóias pertencentes ao mesmo e pode ser recolhido.

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Figura 7 – No fundeio em “I”, normalmente, o número total de boias necessárias para a sustentação do mesmo na vertical, é distribuído ao longo de seu comprimento (1). Usa-se esse método para o caso do rompimento ou divisão acidental do fundeio, onde o que está acima desse ponto flutua e pode ser recuperado à deriva (2) e a porção inferior pode ser resgatada com o auxílio do liberador acústico (3 e 4).

As boias utilizadas em subsuperfície nos fundeios devem ser resistentes a pressão, e a forma esférica é muito conveniente para suportá-la. Material plástico de alta densidade, alumínio e aço são muito empregados na fabricação de boias utilizadas em profundidades de até 500 m e o vidro é, normalmente, utilizado para profundidades de até 6.500 m.

Boias de vidro, com aproximadamente 430 mm de diâmetro e 24 kg de flutuabilidade, são fabricadas nos Estados Unidos e Alemanha e empregadas em fundeios do mundo todo. Elas são contidas em uma proteção plástica que também dá suporte para a fixação das mesmas, têm custo aproximado de US$ 550 e com frequência são utilizadas às dezenas na estrutura de um mesmo fundeio.

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Figura 8 – À esquerda, conjuntos de boias de vidro preparados no convés na ordem de lançamento do fundeio (profundidade 3.000 m). Acima e à direita, uma boia de vidro exposta pela remoção de parte da sua proteção plástica. Abaixo e à direita uma imagem da atividade de recuperação de um fundeio de subsuperfície.

Para concluir, os fundeios envolvem muitos detalhes, e por hora não teremos como nos aprofundar muito nos mesmos. A partir do que foi escrito é possível notar que em apenas algumas linhas de texto, uma série de assuntos foram abordados. Acredito que isso possa proporcionar uma noção da suposta complexidade envolvida com o trabalho de fundeios.

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