XI. Metabolismo versus frio.

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Do ponto de vista fisiológico, os animais de sangue frio antárticos apresentam adaptações bastante especiais e que despertam o interesse dos pesquisadores. Alguns fatores importantes como a luz, por exemplo, variam muito com as estações do ano nas altas latitudes. Nesse sentido, os animais polares devem ajustar-se de forma muito eficiente para utilizar a energia, permitindo-lhes suprir as necessidades de todas suas funções vitais durante os períodos nos quais a produtividade primária e, portanto, a disponibilidade de alimento, é baixa.

Alguns dos mecanismos sugeridos têm levantado muita polêmica. Os resultados de alguns trabalhos indicam que o consumo de energia, isto é, o metabolismo dos ectotérmicos antárticos, é maior do que seria de se esperar pela extrapolação do metabolismo de animais semelhantes que vivem em regiões temperadas às temperaturas das regiões polares. Explicando um pouco melhor: teoricamente, considerando-se os aspectos físicos das velocidades das reações químicas em função da temperatura, um organismo ectotérmico que gasta 100 calorias a 20°C, por um determinado período, deveria gastar cerca de 25 calorias a 0°C, em um mesmo período de tempo.

Apesar de ser complicado comparar animais diferentes de locais distantes e com características próprias, as medidas de gasto de energia dos animais antárticos geraram valores muito maiores do que os esperados pelas expectativas dos pesquisadores conforme explicadas acima. Por isso, grupos de cientistas baseados nos trabalhos liderados por Scholander, em 1953 e Wohlschlag, em 1964, desenvolveram a hipótese do fenômeno chamado de “adaptação metabólica ao frio”. Outros autores, inclusive alguns bastante atuais acreditam que essa hipótese é bastante viável. Segundo eles, os animais ectotérmicos antárticos teriam as velocidades das reações metabólicas ajustadas de tal forma a “desobedecerem” as leis da física.

A grande variabilidade dos dados mensurados com o passar do tempo levou alguns outros autores a levantarem a hipótese de que a “adaptação metabólica ao frio” seria apenas um dentre os diversos processos adaptativos encontrados em ectotérmicos polares, ocorrendo em algumas espécies e não em outras. O pesquisador alemão Gerd Hubold sugeriu pela análise de inúmeros dados, que espécies mais ativas apresentariam essa elevação metabólica relativa enquanto que as mais lentas, ou polares típicas, apresentariam metabolismo realmente baixo. Segundo alguns autores, como os do grupo de Andrew Clarke, do Bristish Antarctic Survey, o metabolismo baixo seria uma vantagem no sentido de economia de energia nas épocas quando o alimento é escasso. Fatores, como a composição e permeabilidade das membranas, características das proteínas, da cinética enzimática, entre outros, explicariam a capacidade dos ectotérmicos manterem suas atividades em níveis adequados nas frias águas polares.

Recentemente, os pesquisadores do próprio grupo de Clarke afirmaram que a hipótese de adaptação metabólica ao frio foi importante para introduzir o conceito de compensação térmica evolutiva. Este é um dos temas que permitiram os trabalhos subsequentes de fisiologia de organismos ectotérmicos por pesquisadores do mundo todo, inclusive do Brasil (Fig. 1). Existe hoje, inclusive, um certo consenso de que a adaptação metabólica ao frio, no sentido original do conceito, deve ocorrer em alguns grupos de organismos polares que são mais resistentes às variações da temperatura (Pörtner et al., 2000).

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Fig. 1 – Coleta de animais em águas da Baía do Almirantado, Antártica, para estudos de adaptações fisiológicas ao ambiente.

Leituras sugeridas

Clarke, A. 1991. What is cold adaptation and how should we measure it? Am. Zool., 31: 81-92.

Hubold, G. 1992. Ecology of notothenioid fish in the Weddell Sea. In: Di Prisco G.; Maresca, B. & Tota, B. (eds). Biology of Antarctic fish. Berlin, Springer-Verlag. p. 3-22.

Pörtner, H. O.; Van Dijk, P. L. M.; Hardewig, I. & Sommer, A. 2000. Levels of metabolic cold adaptation: tradeoffs in eurythermal and stenothermal ectotherms. In: Davison, W.; Howard-Williams, C. & Broady, P. (eds). Antarctic Ecosystems: Models for wider ecological understanding. Christchurch, New Zealand, Caxton Press. p.109-122.

Scholander, P. F.; Flagg, W.; Walters, V. & Irving, L. 1953. Climatic adaptation in arctic and tropical poikilotherms. Physiol. Zool., 26: 67-69.

Wohlschlag, D. E. 1964. Respiratory metabolism and ecological characteristics of some fish in McMurdo Sound, Antarctica. Antarct. Res. Ser., 1: 33-62.

 

Autores: Arthur José da Silva Rocha; Maria José de A. C. R. Passos; Gabriel Monteiro; Prof. Dr. Phan Van Ngan
Coordenador: Prof. Dr. Vicente Gomes

 

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