Parecer científico sobre a ampliação do Porto de São Sebastião

No dia 10 de maio foi publicado um artigo no Estadão, sobre a ampliação do Porto de São Sebastião e os impactos dessa obra sobre o ambiente e as comunidade da região.

porto ss navioA reportagem foi baseada em parecer elaborado em resposta ao ofício no 1142/2014 – GAEMA-LN relativo ao Inquérito Civil no 14.0701.0000105/2011-9SS – “Supressão de danos à vegetação nativa em área urbana (inclui parcelamento de solo e APP urbanas) – averiguação do passivo ambiental, advindo do aterramento promovido na Praia do Araçá, em São Sebastião” sob a coordenação do CEBIMar USP, com a colaboração de vários pesquisadores1, incluindo alguns do Projeto Biota/FAPESP Araçá, que vem realizando estudos interdisciplinares na Baía do Araçá visando entender sua estrutura, funcionamento e importância. O Projeto Biota/Araçá envolve cerca de 170 pesquisadores de 35 instituições de ensino e pesquisa, entre as quais nove estrangeiras, sob a coordenação dos professores Cecília Amaral (UNICAMP), Alexander Turra (IOUSP), Carmen Wongtschowski (IOUSP), Yara Shaeffer-Novelli (IOUSP) e Áurea Ciotti (CEBIMar USP). Devido à sua atividade atual na região, a equipe do projeto colaborou na elaboração das respostas relativas à demanda recebida institucionalmente pelo CEBIMar, trazendo importantes elementos para qualificar a discussão.

porto ss aveO parecer foi organizado de forma a abordar as questões apresentadas pelo MP: “Quais são as consequências que a ampliação do Porto de São Sebastião poderá causar à Baía do Araçá?” e “Quais foram os resultados obtidos em dois anos de estudo e qual a importância de tais estudos para a comunidade científica?”. O parecer tomou por base o “Projeto Básico – Relatório para apoio ao licenciamento ambiental” relativo à “Ampliação da capacidade portuária do Porto de São Sebastião” pela “Companhia Docas de São Sebastião”, elaborado pela “Planave Estudos e Projetos de Engenharia S.A.” em 23 de maio de 2014 e fornecido pelo escritório Regional do IBAMA de Caraguatatuba.

Procurou-se avaliar quais as ações ou atividades impactantes, o que geram, o que é afetado, como é afetado e quais os reflexos negativos em termos ecológicos e de benefícios para a sociedade. Assim, o projeto de ampliação do Porto de São Sebastião foi analisado com base nas ações potencialmente impactantes e nos serviços ecossistêmicos que poderiam ser impactados, traduzidos em perdas inestimáveis para a sociedade.

Os cenários apresentados evidenciam a inviabilidade ambiental do empreendimento e os impactos que ele trará para a baía e toda a região do entorno, cuja vocação está diretamente ligada ao seu uso sustentável. Essa vocação está expressa no fato da Baía do Araçá e seu entorno pertencerem a diferentes unidades de conservação, como a Área de Proteção Marinha do Litoral Norte, a Área de Proteção Marinha Municipal dos Alcatrazes e Área de Relevante Interesse Ecológico do CEBIMar, além de abrigar 13 espécies ameaçadas de extinção, conforme publicado no “Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção”, publicado pelo MMA em 2008.

porto ss caranguejoÉ de fundamental importância para o entendimento da questão a compreensão do aspecto dinâmico do ambiente marinho, cujas alterações em uma determinada localidade influenciam de forma direta e indireta outras áreas, por vezes distantes e, aparentemente, desconectadas. É o caso do efeito dos fundeios de embarcações em área próxima à boca sul do Canal de São Sebastião e do próprio porto, em áreas à jusante das correntes, como a Estação Ecológica dos Tupinambás (Arquipélago dos Alcatrazes), dentre outras unidades de conservação no entorno.

Essa dinâmica, que leva a uma conectividade muito maior entre habitats marinhos do que no ambiente terrestre, é à base do entendimento dos efeitos conjuntos e cumulativos das fases 1, 2 e independente do empreendimento. Assim, da análise apresentada, entende-se que qualquer intervenção, em qualquer parte da Baía, incluindo a região à frente de sua abertura (berços de atração), levará a impactos irreversíveis e, eventualmente, ao colapso do ecossistema da Baía do Araçá. O entendimento dos processos oceanográficos permite concluir de forma muito clara que mesmo a implementação da fase 1 na abertura da baía comprometerá o fluxo de água, a sedimentação e, dentre outros impactos, causará a supressão definitiva dos remanescentes de manguezal.

A Baia do Araçá atua como um reator e uma bomba (coração), transformando matéria e energia em produtos que, ao serem exportados, bombeados para o entorno, cumprem papel crucial para o ambiente e a sociedade. Considerando que a saúde do ambiente marinho já vem sendo afetada historicamente pelas mais variadas intervenções humanas, os impactos cumulativos advindos desse projeto de expansão do Porto de São Sebastião têm um potencial de degradação muito maior, em escala espacial e temporal, do que se poderia prever em uma análise isolada do empreendimento. Assim, a ampliação do vetor de ocupação pelas obras rodoviárias do contorno de Caraguatatuba e duplicação da Rodovia dos Tamoios levarão a um aumento paralelo da pressão sobre serviços públicos, como fornecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, moradia, serviços de saúde e educação, todos com diferentes níveis de precariedade na região. Integrando-se à duração da operação desse empreendimento, os efeitos serão propagados e intensificados ao longo do tempo. Considerando a importância e a fragilidade da Baía do Araçá e da região, os efeitos desse projeto serão catastróficos.

porto ss faunaA proposta de ampliação do Porto de São Sebastião mostra-se inviabilizada ambientalmente também em função das previsões derivadas das Mudanças Climáticas Globais. Essas mudanças, como o aumento da frequência e da magnitude de eventos oceanográficos de alta energia (tempestades e ressacas), elevação do nível médio relativo do mar, aumento da temperatura da água, acidificação do oceano, dentre outras, terão efeitos cumulativos sobre os impactos descritos anteriormente. Esses efeitos impactarão a própria estrutura do porto, e essa interação provocará efeitos ainda mais drásticos na biota e nas ocupações humanas do entorno.

Nesse sentido, já antecipando essa sequência de acontecimentos, entende-se que a sociedade tem muito mais a perder do que a ganhar com a ampliação do porto. Por fim, destaca-se a ambiguidade e a incoerência do projeto proposto quanto ao entendimento dos impactos causados e potenciais ações mitigatórias. O exemplo icônico dessa falta de entendimento da importância da região e de como ela deve ser preservada está expresso no projeto do “Mirante Turístico e Prédio de Educação Ambiental”. Mesmo com todo o reconhecimento sobre a importância da Baía do Araçá, esse mirante está previsto para ser construído junto ao manguezal bastante recente, que ora existe no local onde a balsa está operando. Ele deveria privilegiar a Baía do Araçá. Só não o fará porque há o reconhecimento implícito de que essa baía será degradada e esse “Mirante Turístico e Prédio de Educação Ambiental” servirá para atestar o que prevemos no presente documento. Outro exemplo que denota a aberração conceitual e técnica com que o projeto foi estruturado está no fato da fase independente estar prevista para ser estruturada em zigue-zague, deixando entre ela e a fase 2 um espaço que equivale exatamente à fase 3 do projeto original. Desta forma o projeto traz, de forma inequívoca ainda que dissimulada, seu interesse em ampliar intervenções na baía, além de propor uma obra (duto em zigue-zague) com mais custos e maior risco de acidentes.

porto ss peixeNesse sentido, o entendimento da equipe que estruturou este parecer é que o projeto de expansão do Porto de São Sebastião é inviável ambientalmente uma vez que qualquer uma das intervenções propostas levará ao colapso do funcionamento ecológico da baía e dos benefícios que ela traz para a sociedade. Se restringirmos as questões simplesmente ao ponto de vista acadêmico, as profundas modificações causadas à Baía do Araçá e as regiões no seu entorno, inclusive ultrapassando o Canal de São Sebastião, serão deletérias e, em consequência, representarão um enorme comprometimento das atividades de ensino e pesquisa ali estabelecidas, não só para o CEBIMar, mas para toda comunidade nacional das ciências marinhas, que tem na área o melhor modelo de estudos extensivos e integrados que dispomos em nossa costa.

[1] Colaboraram para este parecer: Antonio Carlos Marques (CEBIMar-USP), Antonia Cecília Zacagnini Amaral (IB-UNICAMP), Alexander Turra (IO-USP), Carmen Lúcia Del Bianco Rossi Wongtschowski (IO-USP), Yara Schaeffer-Novelli (IO-USP), Eduardo Siegle (IO-USP), Márcia Caruso Bícego (IO-USP), Cláudia Regina dos Santos (IO-USP), Áurea Maria Ciotti (CEBIMar-USP), Augusto Alberto Valero Flores (CEBIMar-USP), Alvaro Esteves Migotto (CEBIMar-USP), Cláudio Gonçalves Tiago (CEBIMar-USP), Gustavo Muniz Dias (UFABC), Patrícia Luciano Mancini (MZ-USP), Cristiana Simão Seixas (NEPAM-UNICAMP) e Juliana Matos Seidel (UNICAMP).

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