Laboratórios do IOUSP participam de expedição para recolher baleia encalhada em Ubatuba

No dia 11 de agosto o chefe da Base de Pesquisas “Clarimundo de Jesus”, Sr. Manoel da Cruz comunicou aos pesquisadores do IOUSP a ocorrência de uma baleia morta, encalhada na Praia da Fazenda, Ubatuba (Litoral Norte do Estado de São Paulo). Após contato e envio de fotos pela Fundação Florestal do Estado de São Paulo – Núcleo Picinguaba, concluiu-se que o indivíduo encalhado era uma baleia-piloto, registro raro na região.

Foram então mobilizados esforços conjuntos entre três laboratórios do IOUSP: Laboratório de Biologia da Conservação de Mamíferos Aquáticos (LABCMA), Laboratório de Dinâmica Bêntica (LDB) e Laboratório de Química Orgânica Marinha (LabQOM). Após uma série de contatos realizados pelo Prof. Dr. Marcos César de Oliveira Santos (LABCMA), foram definidas algumas ações imediatas: (1) reunir a equipe que viajaria para Ubatuba; (2) envolver o exemplar para evitar a ação de organismos carniceiros; e (3) preparar os equipamentos e materiais de pesquisa para as coletas.

baleia piloto

Baleia-piloto-de-peitorais-longas, encontrada morta na Praia da Fazenda, Ubatuba (SP).

Enquanto a equipe se organizava na sede do IOUSP (São Paulo), um grupo de funcionários da Base de Ubatuba se deslocou até o local do encalhe, fez novos registros fotográficos e cobriu o exemplar com uma lona. Essas novas imagens possibilitaram aos pesquisadores concluir que se tratava de uma baleia-piloto-de-peitorais-longas (Globicephala melas). “Há um único registro deste exemplar encontrado encalhado no Estado de São Paulo em 1920, reportado por Luederwaldt, por meio apenas de um crânio coletado em Ilha Comprida e depositado na coleção do Museu de Zoologia da USP”, comenta o Prof. Marcos Santos.

 

Baleia-piloto-de-peitorais-longas

O nome científico vem do latim globus, em referência a “globo”, kephale, para “cabeça” e melas para “negro”. Parte do nome popular baleia-piloto vem da crença não comprovada que há sempre um líder nos grupos que comanda os caminhos dos mesmos. A outra parte se relaciona à existência de duas espécies, sendo que a outra tem nadadeiras peitorais menores quando comparada com o tamanho do corpo.

Baleias-piloto-de-peitorais-longas ocorrem em águas pelagiais, para fora da Plataforma Continental, em grupos de dezenas a centenas de indivíduos. No hemisfério sul, onde ainda são pouco conhecidas, ocorrem principalmente em águas temperadas e subpolares. São regularmente avistadas na convergência Antártica (entre as latitudes 47º e 62ºS) com distribuição circumpolar.

A espécie é listada como “deficiente em dados” pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), faltando ainda a complementação de estudos básicos sobre estimativas de tamanhos populacionais no Hemisfério Sul. “Essa oportunidade é ímpar pela dificuldade de acesso a exemplares como esses. Ou você investe em cruzeiros dedicados em águas pelagiais, o que na costa brasileira esse esforço ainda é incipiente, ou otimiza raras situações como essas”, complementa o Prof. Marcos Santos.

As principais ameaças à conservação dos estoques populacionais da espécie são as capturas anuais nas Ilhas Faroe (Dinamarca) e as capturas acidentais em pesca com espinhel, já reportadas por embarcações atuando na costa brasileira. Ainda não se dimensionou nos cetáceos oceânicos o grau do recente impacto gerado pela poluição sonora gerada por atividades antrópicas como exploração de óleo e gás e operações de sísmica.

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Necrópsia e amostras

No dia seguinte (12), após transportar a baleia até a base do IOUSP em um pequeno caminhão, a equipe de pesquisadores deu início a uma série de trabalhos. A baleia era uma fêmea de 4,74 metros de comprimento, peso estimado entre 400 e 600 quilos, em estado fresco, com dentes totalmente gastos (que indica se tratar de um exemplar idoso) e marcas de tubarão-charuto (Isistius sp.) pelo corpo. De acordo com o Prof. Marcos Santos, essas marcas são relativamente comuns em espécies de cetáceos que habitam águas pelagiais. Após análises iniciais, não se encontraram anomalias internas que permitissem detectar algum motivo relacionado ao encalhe. “Algo que só podemos especular trouxe essa fêmea idosa à região costeira, que é pouco conhecida pelos cetáceos oceânicos”, comenta o docente. Ainda de acordo com os pesquisadores, a baleia provavelmente não se alimentou na região, pois seu estômago estava vazio.

charuto

Marcas de Tubarão-charuto, observadas no corpo da baleia encontrada.

Foram coletadas amostras de músculo para estudos de biologia molecular, de fígado e de gordura do melão e de revestimento do corpo para estudos de contaminação química, as gônadas para estudos sobre reprodução, o crânio para estudos envolvendo o uso da morfologia craniana para melhor conhecer os estoques populacionais e para atividades de educação ambiental, assim como o coração. Rins e demais tecidos, em estágio avançado de putrefação, não foram armazenados.

 

Afundamento

Após a necropsia, a baleia-piloto foi envolta em uma rede e afundada ao largo da costa de Ubatuba. O local será visitado ao longo do ano para coleta de amostras pela equipe do LDB, que realizará um estudo de sucessão ecológica em águas rasas tropicais.

Além de serem predadores de topo de grande importância no ecossistema marinho, as baleias ainda desempenham um importante papel ao morrerem. Os corpos das espécies que têm como sepultura as regiões profundas do planeta são consumidos por uma série de organismos bentônicos e demersais (aqueles que vivem próximo aos fundos marinhos). “Durante esse processo ocorre uma sucessão ecológica protagonizada por uma série de organismos, muitos do quais são especializados e endêmicos desses ambientes”, comenta o Prof. Dr. Paulo Sumida. Um exemplo é o verme-zumbi, cuja especialidade é consumir o colágeno dos ossos. “A presença deste tipo de organismos enfatiza a ideia de que tais ambientes existem há milhares de anos e são palco para a evolução de novas criaturas marinhas”, complementa o docente.


Essa expedição científica contou com fundamental empenho dos funcionários da base de Ubatuba, assim como da confluência de pesquisadores ligados a três laboratórios do IOUSP. “É preciso enaltecer a qualidade dos nossos funcionários. Na base de Ubatuba foi incrível o empenho de todos os funcionários envolvidos. Foi um engajamento muito acima da média”, afirma o Prof. Marcos Santos. Estiveram envolvidos os seguintes pesquisadores:

  • Prof. Dr. Paulo Yukio Gomes Sumida (LDB);
  • Prof. Dr. Marcos César de Oliveira Santos (LABCMA);
  • Pós-Doutoranda Paula Fernandez (LabQOM);
  • MSc. Arthur Ziggiatti Güth (LDB);
  • Mestranda Aline Boutros (LABCMA);
  • Mestrando Joan Manel Alfaro Lucas (LDB);
  • Mestrando Artur de Albuquerque Tenório (LDB);
  • Acadêmica do IBUSP e estagiária Julia Molina (LABCMA);
  • Aluna de Intercâmbio e estagiária Agustina Amar (LABCMA).

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